Em meio a um aumento de R$ 2,3 bilhões de benefícios previdenciários no orçamento em novembro, a aprovação da revisão da vida toda para aposentados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) divide opiniões de especialistas ouvidos pela reportagem de OTEMPO. Após a decisão da Corte, há um temor de que os pedidos de atualização nos valores de aposentadorias de trabalhadores possam aumentar a despesa previdenciária no país.
Para 2023, o déficit projetado no INSS é de R$ 47,3 bilhões, conforme as previsões orçamentárias que o governo apresentou ao Congresso. Na avaliação do economista e gerente geral do Ibmec-BH, Márcio Salvato, a decisão do STF traz muitos efeitos positivos para os segurados, ativos e inativos, que receberam salários maiores antes de 1994 do que em períodos mais recentes.
“Mais do ponto de vista financeiro do sistema, há um problema. O custo previdenciário vai aumentar sem aumentar a base de contribuição e obviamente alguém vai pagar a conta. Hoje se tem regras de teto de orçamento, de modo que grande parte desse orçamento é para pagar a folha de ativos e inativos. Logo você tem um custo para a máquina e uma sobra menor de recursos para investimento em políticas públicas”, frisou Salvato.
No decorrer da semana, o Ministério da Economia, inclusive, detalhou o bloqueio de R$ 5,7 bilhões do orçamento ministerial. Entre outros fatores, o contingenciamento foi realizado em função do crescimento de R$ 2,3 bilhões da dívida previdenciária e com pagamento de servidores, que comprimiu os investimentos em programas sociais para obedecer o teto de gastos públicos.
“Quanto maior for o custo previdenciário, pior será o reflexo para as gerações futuras. É um benefício para quem é assegurado. Mas não para quem paga, e isso serão os ativos que estão contribuindo para o sistema”, complementou o economista. Por outro lado, o professor e mestre em direito previdenciário Theodoro Vicente Agostinho não vê reflexos no orçamento da previdência.
“Por se tratar de uma revisão que chamamos de exceção, esse impacto não é tão grandioso. Até porque já ocorreram essas contribuições. Não estará saindo o dinheiro, ele já entrou para os cofres da previdência”, opinou Agostinho. O especialista também não acredita que haverá um grande aumento na lista de beneficiários que aguardam análise dos processos de aposentadoria no INSS.
Atualmente, cerca de 5 milhões de pessoas esperam pela decisão do órgão. “A revisão tem que ser solicitada na esfera judicial, ela não é solicitada diretamente no INSS. É uma tese judicial”, acrescentou o professor. A reportagem questionou o INSS sobre possíveis impactos da decisão do STF, mas nenhum retorno foi enviado até a publicação desta matéria.
O que é a revisão?
A revisão da vida toda é uma correção limitada, que não beneficia qualquer aposentado, mas apenas aqueles que recebiam salários maiores antes de julho de 1994. Além disso, parte dos beneficiados que não foram à Justiça no prazo já pode ter perdido o direito. Para quem não entrou na Justiça, a correção só pode ser solicitada em até dez anos, contados a partir do mês seguinte ao primeiro pagamento do benefício.
Se o pagamento da primeira aposentadoria foi feito em novembro de 2012, por exemplo, o prazo para pedir uma revisão de cálculo se encerra em dezembro de 2022. Outro ponto a se observar é que o benefício precisa ter sido concedido com base nas regras da lei 9.876, de novembro de 1999. Os pagamentos feitos à Previdência em outras moedas antes do real são considerados apenas na contagem do tempo total de contribuições, ou seja, os valores não entram no cálculo da média salarial, que é a base do benefício.
Os ministros do STF não podem mais mudar seus votos, mas os envolvidos ainda têm direito de entrar com embargos de declaração em até cinco dias após a publicação do acórdão, de acordo com o Supremo. Essa publicação, por sua vez, deve ser feita em até 60 dias. Nos embargos o governo poderá, por exemplo, pedir esclarecimentos para definir o alcance da revisão e sua abrangência. A Advocacia-Geral da União, que representa o INSS na Justiça, informou que ainda vai analisar possíveis pedidos de modulação, etapa que poderá limitar o alcance da revisão.
Somente após essas etapas o julgamento é considerado encerrado, ou seja, haverá o trânsito em julgado. Para o advogado previdenciário João Badari, o Supremo seguiu o princípio da segurança jurídica em seu julgamento e a vontade do legislador. “Não houve qualquer sinalização dos ministros, nos votos de quem concordou com a tese, quanto a limitar período de atrasados de quem ainda não entrou na Justiça, por exemplo”, afirmou.
A revisão da vida toda só pode ser aplicada a beneficiário que se encaixa nos seguintes requisitos:
Entrou no mercado formal de trabalho (com carteira assinada ou contribuindo de forma individual) antes de julho de 1994;
Realizou parte considerável das suas contribuições mais altas ao INSS até julho de 1994 e, depois, concentrou recolhimentos sobre valores mais baixos;
Recebeu o primeiro pagamento da aposentadoria há menos de dez anos (prazo máximo para exercer o direito à revisão do benefício)
Aposentou-se antes do início da última reforma da Previdência, em novembro de 2019;
Teve o benefício concedido com base nas regras da lei 9.876, de 1999;
Qual a regra para os atrasados
Pela regra, os aposentados têm direito aos atrasados de cinco anos anteriores à data em que fizeram o pedido de revisão ao INSS ou na Justiça. Quem já está com ação judicial tem direito a atrasados dos cinco anos anteriores mais o período de espera até receber o benefício com reajuste.Ou seja, quem entrou com ação há mais tempo consegue um período maior de retroativo.
Documentos necessários para entrar com a ação
A recomendação de especialistas é que o aposentado faça cálculos antes de apresentar uma ação na Justiça, uma vez que a revisão pode não trazer vantagem para seu caso específico.
Além de documentos pessoais, o aposentado deve apresentar:
Cnis (Cadastro Nacional de Informações Sociais), onde devem constar todos os salários do aposentado durante sua vida laboral;
Carta de concessão da aposentadoria, onde está o cálculo do benefício e quais contribuições foram consideradas para chegar ao valor final da aposentadoria;
Extrato de pagamento do último benefício para comprovar o atual valor pago;
Holerites e carteiras de trabalho para quem precisa comprovar salários antigos, antes de 1982, quando não havia o Cnis nem outro sistema que consolidasse os pagamentos GPSs (Guias de Pagamento da Previdência Social) para os autônomos;
O que acontece com quem tem ação na justiça?
Para quem já está com ação na Justiça, o pagamento deve sair mais rapidamente do que quem não foi ao Judiciário, afirma o advogado Fernando Gonçalves Dias. Como o tema da revisão foi julgado sob repercussão geral, os processos foram suspensos à espera da definição dos ministros. O entendimento do Supremo deverá ser seguido em tribunais e varas previdenciárias do país, mas essa aplicação não deve ser imediata.
Se houver apresentação de embargos, é possível que os tribunais aguardem o julgamento para só então retomarem a análise dos processos que estão paralisados, explica o advogado Roberto de Carvalho Santos, do Ieprev (Instituto de Estudos Previdenciários). O Supremo também costuma enviar comunicações oficiais aos tribunais quando o processo é totalmente concluído para que passem a seguir o entendimento.
Segundo o advogado previdenciário Rômulo Saraiva, colunista da Folha, no caso da desaposentação (troca de aposentadoria, que foi negada pelo Supremo em 2020), os juízes destravaram as ações rapidamente após o julgamento.
O que muda nas agências do INSS?
O entendimento dos ministros não precisa ser aplicado imediatamente nas decisões administrativas do INSS, ou seja, nas agências do órgão. Em dois casos de grandes revisões que foram julgadas a favor de aposentados (a revisão do teto, para aposentados entre 1988 e 2003 e a dos auxílios, para benefícios por incapacidade entre 2002 e 2009), o INSS só passou a fazer a correção automaticamente (sem a necessidade de o segurado apresentar um pedido) após o Ministério Público Federal e o Sindicato dos Aposentados entrarem com ações cíveis públicas, que foram julgadas a favor dos segurados.
Foram, então, fechados acordos, com intermédio da Justiça e definidos os calendários de pagamentos em lotes anuais. Os atrasos da revisão dos auxílios foram sendo pagos em lotes anuais e levaram dez anos para serem quitados. O último lote foi pago em abril de 2022.
Entenda a revisão da vida toda
Na ação, aposentados pedem que todas as suas contribuições, incluindo as realizadas antes da criação do real, em 1994, sejam consideradas no cálculo da média salarial para aumentar a renda previdenciária.
A reforma da Previdência de 1999 criou duas fórmulas de cálculo para a média salarial (que é a base do valor do benefício);
Regra de transição: Para quem já era segurado do INSS até 26 de novembro de 1999;
A média salarial é calculada sobre 80% das maiores contribuições feitas a partir de julho de 1994;
Regra permanente: Para quem começou a contribuir com o INSS a partir de 27 de novembro de 1999;
A média é calculada sobre 80% dos mais altos recolhimentos desde o início das contribuições (sem definir a data de início das contribuições);
Com isso, quem já era segurado da Previdência e concentrou seus maiores pagamentos no início da vida profissional, antes da criação do Plano Real, saiu prejudicado;